- (41) 99615-9641
- (41) 99928-9719
Gestores aprendem a lidar com a distância
Desse modo, é comum que muitos líderes ainda sintam a necessidade de um espaço físico para exercerem o poder.
Quem já usou a webcam para matar a saudade da família concorda que a tecnologia encurta espaços e ajuda no contato com quem está longe. Mas a facilidade de comunicação que a tecnologia permite hoje também é responsável pelo surgimento de uma nova distância, cada vez mais comum no mundo corporativo: a entre funcionário e chefe.
Desde o início do ano, quando o trabalho remoto foi reconhecido pela lei 12.551, o Centro de Estudos de Teletrabalho e Alternativas de Trabalho Flexível (Cetel), da Business School São Paulo (BSP), estima que o número de empresas que adotam o teletrabalho aumentou 30%. São quase 12 milhões de profissionais que fazem ao menos uma parte do expediente fora do escritório, segundo o coordenador Álvaro Mello. Mas, mesmo com a recente popularidade, ele diz que os desafios são grandes - e quase todos estão ligados aos aspectos comportamentais.
"Apesar dos avanços da tecnologia, o gestor ainda tem dificuldade de exercer a liderança a distância", explica. Segundo Mello, a falta de contato direto com os colaboradores pode levar o chefe a achar que não tem mais o controle, o que causa perda de confiança e sinergia com o resto da equipe. Desse modo, é comum que muitos líderes ainda sintam a necessidade de um espaço físico para exercerem o poder. Mas os tempos estão mudando. O número de empresas que não têm sala para os chefes ou mesa fixa para todos os funcionários, por exemplo, é cada vez maior. "As empresas estão se organizando para se adaptarem à nova realidade."
Lucyane Rezende, diretora de recursos humanos da Unilever para a América Latina, trabalha em São Paulo, mas lida diariamente com profissionais espalhados por toda a região. Manter equipes dispersas pelo mundo sempre foi uma prática comum na multinacional, mas não é o único contato que Lucyane tem com o trabalho a distância: há dois anos, a empresa começou um programa, já adotado por 30% do pessoal elegível, que formalizou o home office e permite que os profissionais trabalhem pelo menos um dia da semana de casa. "O trabalho remoto deixou de ser apenas uma necessidade para se tornar uma opção do colaborador", diz.
Os escritórios da empresa possuem facilidades como a possibilidade de atender o ramal de qualquer lugar e salas de "telepresence" - ferramenta que equipa mesas de reunião com telas de vídeo. Lucyane admite, porém, que a distância traz algumas dificuldades como não ver a pessoa diariamente e ter de lidar com diferentes culturas. "É preciso traçar um objetivo comum, ser mais direta e assertiva", explica, ressaltando que a prática depende da confiança entre os envolvidos. Para preparar o funcionário, a empresa oferece treinamentos on-line que abordam desde dicas de como usar e-mail e programas de mensagens instantâneas até maneiras de aumentar a produtividade longe do escritório.
Veterana na gestão aliada à tecnologia, a Microsoft possui um treinamento global que inclui aspectos tecnológicos e culturais do trabalho em equipes espalhadas pelo mundo desde 2003, e que recebe atualizações frequentes. Todo colaborador que entra na empresa tem um prazo de 90 dias para realizar o curso, diz a gerente de recursos humanos Daniela Sicoli.
A empresa também possui um manual que passa por aspectos práticos, como que ferramenta usar para cada tipo de comunicação, e dicas de etiqueta, como a melhor maneira de se portar em uma reunião formada por profissionais presentes na sala e conectados via teleconferência para que todos tenham seu espaço. Outra orientação é que conversas mais "sensíveis", como avaliação de desempenho, sejam feitas por vídeo ou ao vivo. "É importante nunca subestimar a necessidade do encontro presencial", diz.
As escolas de negócio também estão atentas à necessidade de ensinar os gestores a administrar equipes remotas. O MBA da Kenan-Flager, escola de negócio da universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, desenvolve um projeto em que os alunos formam times com estudantes de outras 11 universidades de cidades e países diferentes e realizam projetos de consultoria com empresas internacionais. Em visita ao Brasil, onde nove projetos foram realizados com empresas como a GE, Monsanto e Procter & Gamble, a professora Lynne Gerber explica que ensinar os alunos a lidar com times virtuais e multiculturais foi uma das motivações para o programa.
Os estudantes se encontram duas vezes ao longo do período que passam desenvolvendo o projeto - uma nos Estados Unidos, no início, e a outra no país da empresa, para apresentar os resultados. No mais, toda a comunicação é feita com a ajuda de e-mail, mensagem instantânea, videoconferência e sistemas de armazenamento de arquivos em nuvem. "É preciso haver um casamento entre saber lidar com a tecnologia e trabalhar em equipe", afirma.
No Brasil, o curso de graduação da Faculdade FIA de Administração e Negócios desenvolveu uma parceria com universidades nos Estados Unidos, Argentina e Estônia para realizar discussões de temas ligados à gestão. O professor criador do projeto, Alfredo Behrens, diz que a preocupação foi dar aos alunos uma experiência global. "Os estudantes precisaram se comportar internacionalmente e lidar com o choque de culturas", diz.
O e-mail, principal ferramenta usada, dá a vantagem aos americanos, que estão mais acostumados em ser mais objetivos "Já os brasileiros falam mais obliquamente, dão muita importância à linguagem corporal", conta. Para ele, o brasileiro ainda precisa aprender melhor a lidar com os diferentes estilos de comunicação de outros países, e as empresas deveriam investir mais em desenvolver essas habilidades.
O professor da Kenan-Flager e especialista em gestão de times virtuais, Arvind Malhotra, considera que se antes essa era uma realidade apenas de multinacionais, agora a comunicação a distância é essencial até em empresas novas, que podem possuir fornecedores e clientes espalhados pelo mundo. "Há cerca de cinco anos esse modelo era uma escolha. Atualmente, é uma maneira de fazer negócios", explica.
Ele conta que a chave está em desenvolver a confiança a partir das habilidades dos profissionais e não baseada em aspectos sociais, tradicionalmente mais associados ao contato físico. Enquanto os chefes precisam aprender a liderar de uma posição menos autoritária e mais inclusiva, é fundamental que os integrantes do time também desenvolvam a capacidade de se autoadministrar, tomar a iniciativa e trabalhar em um ambiente com poucas limitações. "Esse é um cenário muito novo e desafiador. Os times virtuais, contudo, podem ser mais produtivos do que nunca", garante.