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Taxa de poupança diminui e déficit externo deverá aumentar em 2010
Queda dificulta o crescimento sustentável e eleva a dependência de capital estrangeiro, dizem economistas
Brasil está poupando cada vez menos. A crise derrubou a taxa de poupança interna, o que dificulta o crescimento sustentável - sem inflação, juros mais altos ou valorização do câmbio. Se a situação não for revertida, o País terá de aumentar a dependência de capital externo em 2010 para voltar a investir.
No primeiro semestre, a participação da poupança doméstica no Produto Interno Bruto (PIB) caiu para 13%. São quatro pontos porcentuais a menos que os 17% de janeiro a junho de 2008 e o menor patamar nessa comparação desde 2000, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A queda ocorreu porque o consumo das famílias e os gastos do governo cresceram mais rápido que o resto da economia, enquanto os investimentos caíram de 19,7% do PIB para 14,7%. O consumo foi impulsionado por estímulos fiscais, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e pela maior oferta de crédito dos bancos públicos.
Pelas estimativas da Corretora Convenção, a taxa de poupança deve terminar o ano em 14,4% do PIB, abaixo dos 16,9% de 2008. O economista-chefe Fernando Montero acredita em uma queda para cerca de 13,5% em 2010. "Nada indica que vamos consumir menos com juros baixos, renovada confiança e mais crédito. Além disso, é um ano eleitoral, quando aumentam os gastos públicos."
A taxa de poupança é aquilo que o País produz, mas não consome. É importante manter um nível razoável de poupança para financiar os investimentos. Uma boa analogia pode ser feita com a agricultura. Se comer ou vender toda a colheita, o produtor não terá sementes para plantar na safra seguinte.
"Se o consumo e os investimentos crescem acima do PIB, a poupança se torna relevante, porque pode levar a déficit em transações correntes. O resultado é mais importação", disse o chefe do Departamento de Economia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fernando Puga.
É uma questão simples de oferta e demanda. Com gastos e consumo subindo mais que o PIB, e sem economias internas, é necessário trazer capitais de fora. Cálculo da Convenção aponta que, para retomar o nível de investimento pré-crise de 19% do PIB, o Brasil teria um déficit externo de 5% em 2010.
Com o fluxo de capitais que o País tem atraído, não haverá dificuldade para financiar o déficit. O problema são a tendência e as perspectivas para 2011. "O Brasil não vai crescer mais que 4% no futuro se não elevar a taxa de poupança. O próximo governo vai ter que enfrentar essa questão", diz o especialista em contas públicas Raul Velloso.
Se não fizer nada, o País terá desequilíbrios, como inflação, que leva o Banco Central a elevar os juros. Os mercados financeiros já apontam para alta de juros em 2010. Além disso, a forte entrada de capital externo provoca valorização do câmbio, que prejudica as exportações.
O desequilíbrio entre poupança e consumo foi um dos fatores que levou a economia global ao abismo na crise. Enquanto os americanos consomem demais, os chineses poupam demais. Na crise, apesar dos pacotes de estímulo, o consumo caiu nos Estados Unidos. A taxa de poupança dos EUA subiu de 1,7% em 2007 para 2,6% em 2008. Mesmo assim, um patamar insignificante.
Na China, as exportações despencaram, mas o consumo não sofreu. Ainda assim, o governo investiu para evitar que a economia crescesse menos de 8%. Só que os chineses tem uma das maiores taxas de poupança do planeta, cerca de 50% do PIB.
No Brasil, o impacto da crise também veio pelas exportações. Para compensar a demanda perdida no exterior, o governo "bombou" o consumo, que não estava retraído, sacrificando a poupança. "Não podemos utilizar a receita da China porque não economizamos como os chineses", diz Montero.
O perfil de poupança do Brasil é mais parecido com o dos EUA. Os brasileiros poupam pouco por vários motivos: uma expressiva parcela da população não tem nenhum excedente de renda, as pessoas sentem que é inútil, pois nunca vão atingir objetivos como comprar uma casa, e o País não enfrentou guerras que inspirem o receio da população com o futuro.
Outra razão importante é a universalização dos serviços públicos. Apesar da má qualidade, o governo oferece saúde e educação de graça, além de um sistema de previdência que garante alguma renda na velhice. A China é um país comunista, mas esses benefícios quase não existem. Por conta disso, o hábito de poupar é tão arraigado.
No Brasil, o Estado funciona como um "pai" para um grande número de pessoas. Um cálculo de Velloso mostra que o governo distribui 40 milhões de contracheques por mês para servidores públicos, aposentados e beneficiários da assistência social. Com três pessoas em cada contracheque, somarão 120 milhões de habitantes, ou 75% da população que não poupa, porque possui renda garantida ou porque o benefício é baixo.
O problema é que isso representa R$ 370 bilhões que são retirados das empresas e dos trabalhadores, por meio de uma carga tributária de 38% do PIB. "Esse dinheiro deixa de ir para o investimento. Se o País é consumidor, o governo tem que investir para compensar. Mas o governo no Brasil acentua a tendência", diz Velloso.
Outra maneira de resolver a questão é aumentar a produtividade. Se for mais produtivo, o País consegue o mesmo desempenho do PIB com menos investimento e menos poupança.
O especialista em contas públicas Amir Khair é um dos poucos que não está preocupado com a queda da taxa de poupança do Brasil. Para ele, o aumento da produtividade é subestimado e, portanto, o País não precisaria de uma taxa de investimento tão alta para garantir o crescimento da economia. "Além disso, não faltarão recursos de fora para o Brasil."
O conflito entre consumo e poupança é um dilema clássico da economia. A solução é complicada porque implica economizar agora para consumir no futuro, enquanto a tendência das pessoas e dos políticos é privilegiar o curto prazo. O Brasil está nessa encruzilhada.